quarta-feira, 11 de junho de 2014

Conto introdutório ao Cenário de Nova Orleans

Hoje, andando por essas ruas sujas e mal iluminadas, sinto-me bucólico. Porque meus caminhos me trouxeram até aqui?

Caminhando a esmo, vejo-me em frente à Catedral St Louis. Paro e a observo mais um instante. Foi ali que recebi minhas primeiras impressões e conselhos para guiar meu réquiem.


Lembro-me como se fosse ontem. Talvez alguns detalhes tenham se perdido com o passar dos anos, mas lembro-me da voz firme do padre Jonas. Ele era o responsável por “educar” os recém abraçados...


A igreja está vazia, na penumbra. Não me sinto muito confortável aqui, assim. Eu não deveria estar queimando ou algo assim? Ali, no confessionário, vejo o padre abrindo a porta e me chamando. Me dirijo com passos vacilantes até o ele. Não sei o que esperar desta conversa...


Ajoelho-me. A grelha que me separa do padre se abre. Sua voz tem um tom de serenidade e algo mais. Uma nota, quase que escondida, de... ameaça?



Silêncio.

Boa noite meu filho, meu nome é Padre Jonas. Bem, vejo que talvez desconheça ou deva ter se esquecido como funcionam as coisas aqui na igreja. Comece assim “perdoe-me padre, pois eu pequei...”

Sim, isso mesmo.

Você deve estar se perguntando o motivo de estar aqui, comigo, agora que leva uma “vida” diferente. Bem, todos que acabaram de iniciar o réquiem aqui em Nova Orleans, a pedido do Principe Vidal, devem trocar algumas palavras comigo.

Já que você ainda está aprendendo sobre a não-vida, acredito que o básico sobre nossa sociedade seu senhor já lhe ensinou, certo? Claro que sim, eu já sabia.

Certo. Talvez ele não tenha explicado alguns detalhes sobre o principado de Nova Orleans, presumivelmente esperando que eu o fizesse. Pois bem. Como já percebeu, por trás das luzes da cidade, dos gracejos e da euforia do Mardi Gras, dos bares de jazz e conversas movidas a Bourbon, dos problemas mundanamente corriqueiros, existem os sorrisos frios, falsas esperanças e o gosto amargo da solidão, desespero e imortalidade.

A Família movimenta nossa sociedade paralelamente à dos mortais, mas seus desejos são um pouco mais... profundos.

Acredito, meu filho, que em suas poucas andanças por ai e algumas conversas com seu senhor, você deva ter ouvido alguns nomes, uns com orgulho e imponência, outros com desprezo e medo.

Augusto Vidal é o nosso regente, governa a Familia com mãos fortes e justiça. É um Santificado membro do Lancea Sanctum, que por sua vez é patrono desta catedral e de todos os locais cristãos desta cidade;

O Mestre de Elísio Gus Elgin é alguém que você verá com certa frequência em eventos sociais;

Antoine Savoy, auto intitulado “Lorde de French Quarter”, apesar de também ser um membro do Lancea Sanctum, parece ter se distanciado dos nosso dogmas. Aconselho que, ao tratar com ele ou com seus associados, tome cuidado: suas palavras doces escondem a malícia dos séculos;

O Barão Cimitiere é, digamos, persona non grata de Nova Orleans. Suas atividades pagãs e o sacrilégio de sua pretensa fé no vodum somente são toleradas por nosso Príncipe pois ele acredita que até mesmo este filho desgarrado pode, um dia, trilhar o caminho dos justos:

Caso algum dia você encontre alguma dificuldade, procure o xerife Donavan. Ele, ou seus imediatos, poderão lhe ajudar no que for preciso;

Tome muito cuidado com Cleavon “Shep” Jennings. Sua visão anarquista influencia os desesperados e despreparados. Ele prega que precisamos viver sem regras para podermos sermos plenos. Mas, sabemos muito bem que sem regras, o mundo seria um inferno, não é mesmo?

E falando em regras, devo te lembrar de algumas, a pedido do Príncipe:

1º Respeite as Tradições: bem, não vamos descer a detalhes, apenas lembre-se de nunca quebrá-las.

2º Não pratique ou se associe com os praticantes do paganismo: Nosso misericordioso Deus não quer que flertemos ainda mais com o Inimigo. Já nos basta a penitência da não-vida.

3º Sob hipótese alguma envolva-se em brigas, disputas ou rixas (seja a céu aberto ou não) e nunca porte qualquer tipo de arma, não importa se sua existência dependa ou não disso. Caso esteja sendo ameaçado ou enfrentar qualquer tipo de problemas, procure o xerife ou seus imediatos.

4º A manifestação ou uso de quaisquer poderes advindos do Sangue é terminantemente proibido! Além de ser uma quebra clara das Tradições, tais aplicações e demonstrações fomentam o ódio, a inveja e a cobiça, além de o deixar a mercê da Besta e de seus excessos profanos.

Se comprovada alguma transgressão, o pecador será punido conforme a gravidade do pecado. A expiação poderá acontecer por intermédio do sacrifício do isolamento - assim como Miriã que expiou entre dor, solidão e lágrimas, o pecado cometido por seus pensamentos e suas palavras. Pela perda de um lugar de prestígio, em que lembramos o exemplo do arrogante Rei Saul, que esqueceu os caminhos do Senhor, e teve sua coroa e o apoio de Deus entregues ao jovem Davi, um humilde pastor de cabras. E quando a ira de Deus não puder ser aplacada com leves penitências mundanas, não hesitaremos em aplicar expiação através da extinção lenta e dolorosa da não-vida, mesmo que para isso tenhamos que caçar o pecador nos confins da Terra. Atentai a maravilha que é utilizar a maldição da nossa imortalidade para glorificar a Deus, colocando em seu altar toda uma eternidade de uma não-vida de penitências...

Não se preocupe meu filho. Sinto que você é uma pessoa de boa índole, e nunca será uma ovelha desgarrada. Lembre-se, o nosso grande e misericordioso Deus sempre observa seus filhos em todos os passos de seu caminho terreno. E nós também. Creia nele, seja fiel à sua palavra, e nada irá lhe acontecer.

Acho que me excedi e falei antes do devido. Não nos esqueçamos do que você veio fazer aqui, hoje. Que pecados cometeu desde sua última confissão?





E essas foram as primeiras notas do meu réquiem. Desde aquele dia ele tem sofrido correções, rasuras e certa vez quase terminou.

De onde veio esse súbito sentimento nostálgico? Talvez seja por eu não mais ter me confessado desde aquele dia, ou dessa sensação maldita de que algo trágico está para acontecer...


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